segunda-feira, 28 de junho de 2010

Simplesmente É...

       
   Antiga mesa de um desenhista.

          Dizem que quando a morte está próxima passa um filme em nossa mente; e que uma luz sedutora nos convida a acompanhá-la. Hoje, tive a notícia da morte de uma pessoa querida. E, apesar da morte não ser minha, o filme da vida dela passou para mim, com uns "stops" daquilo que presenciei. Imagino que na dela também.
          Cena 1- Elias posando com uma arraia (morta) numa praia.
          Cena 2- Elias cozinhando, num fogo improvisado, o jantar.
          Cena 3- Elias dirigindo mal e se abestalhando no trânsito ao ver uma mulher passar.
          Cena 4- Elias comprando bobagens para a gente comer.
          Cena 5- Elias fazendo churrasco.
          Cena 6- Elias criando as nossas capas de trabalhos escolares.
          Cena 7- Elias desenhando...
          São muitas as cenas que me vêm à mente agora. Elias era um crianção. E a maioria das lembranças são de "bobagens". Não tem nada tão sério, porque ele era assim. Desenhista nato, Elias trabalhou na profissão de projetista por décadas na seção de Engenharia da sede dos Correios e Telégrafos em João Pessoa. Com a chegada das "novas" tecnologias não sei como era desempenhado o trabalho dele, pois as minhas lembranças são das canetas de nanquim e dele trabalhando numa mesa enorme, sobre a régua T e folhas gigantes de papel vegetal. Tinha uma lapiseira que só os profissionais- ao menos eu imaginava- usavam. Ela era de ferro e ficava fixada na mesa. Para usá-la, inseria-se o lápis e girava a manivela. Era assim que se apontava o lápis grafite. Nem sei se esse tipo de apontador existe mais. Deve estar obsoleto também.
          Mas falar de Elias é lembrar das peripécias dele no seu fusca azul. Juntamente com ele, passamos poucas e boas. Aliás, ele e carro (não) se entendiam. Certa vez, mainha conversando com ele- sabendo o quão esculhambado era o fusca- cogitou a possibilidade de uma das rodas se soltarem. Ele respondia: " Jane, na história da Volkswagen NUNCA se ouviu falar que uma roda tenha se soltado de um carro. " Pois, isso aconteceu. A minha mãe só viu a roda passando na frente dela e logo em seguida o carro pendendo prum lado.
          No assoalho do carro dele havia uns buracos enormes. E nos dias de chuva, de dentro do fusca, era certo molhar os pés e as pernas. Num dia desses, ele deu carona a umas moças. A gente só via que elas se entreolhavam. É que, ao passar pelas ruas alagadas, as meninas se surpreendiam com o jato d'água nas canelas. Outra vez, percorremos cerca de 50 metros e tivemos que parar por causa do barulho. Havia algo se arrastando... Era a bateria. Uma parte do assoalho do carro não aguentou o peso. Ele rapidamente voltou em casa e providenciou uma grelha de churrasqueira. Pronto, estava feito o apoio para a bateria. E a vela!? Minha Nossa!... Como a vela do carro dele "saltava". Era a explicação que ele nos dava quando ouvíamos o pipoco. Eu só sei que ele improvisava tudo naquele carro: tinha uma mola perto do motor que ele substituía facilmente por uma liga de borracha; os pedais eram presos por um cordão, senão arriavam. Enfim, o carro andava... E isso já era o bastante.
          Numa das últimas vezes que falei com Elias- isso faz muito tempo- perguntei pelo "azulão". Ele me disse sorrindo que o fusca tinha pegado fogo (coisa pequena) nas imediações do Conjunto dos Bancários. E que, por fim, ele tinha desistido dele. Imagino que não tivesse mais como improvisar com aquele carro. Já com a saúde dele, também não foi diferente. Não houve mais a possibilidade de improviso. O coração - orgão vingativo que é- não perdoa a quem não está em dia  com ele. Elias morreu no sábado, aos 60 ou 61 anos. Não mais que isso.   E se ele assistiu ao filme da sua vida antes da morte, certamente ele viu muito do que me lembrei. Acredito que uma luz bela e brilhante tenha vindo buscá-lo. É o que dizem que acontece com as pessoas que não fazem o mal nesta vida. Com Elias deve ter sido dessa forma. Um ambiente plasmado de pranchetas, nanquins e de coisas belas deve estar pronto para acolhê-lo. Ele era uma pessoa do bem. Era simplesmente "É". Eu o chamava assim, quando menina. E em breve deve ter um monte de crianças ao redor dele fazendo o mesmo. É!...
   

P.S.: Elias era um cavalheiro... Sempre descia para abrir a porta do carro para gente. Porém, os desavisados não sabiam que não podia ser diferente. É que o trinco da porta caía quando batíamos para fechá-la, e ficava perdido ali dentro...

         

Coisas que vi

                                          Atenas - Terra Socrática que ainda vou percorrer.  
                       
          Numa fase da vida gostei muito de colecionar cartão-postal. A maioria de cidades. São tantos os lugares. Há ainda muitos que só conheço por fotos. Tem uns ótimos daqui de João Pessoa, de quando a cidade completou 400 anos, selado com a mesma imagem do cartão.  Há uns que são comemorativos, outros de arte e uns conceituais (meio duvidosos...).  Mas, eu já tive vontade de me desfazer deles. Tinham- de certa forma- perdido o sentido para mim; não tinha um lugar adequado para guardá-los e nunca achei um álbum ou coisa parecida para valorizar a minha coleção. Ficava tudo dentro de um saco plástico. Como disse, tinha sido uma fase. Viajei várias vezes e não mais comprei postais. A minha coleção ficou empacada. Vários amigos também esquecerem de me mandar cartões e as suas impressões por onde passavam. Acho que deixou de ser um hábito. Ou, então, deixei de ser lembrada nas viagens deles. 
         Sábado, eu tava lendo um texto de Luiz Alberto Marinho que fala sobre colecionadores e a sua arte de preservar, controlar ou manter vivo algo que vai se perder... Foi aí que peguei os meus postais. Nossa!... Comecei a reler vários. Encontrei coisas que nem imaginava mais existir. Tinha um de Piguinho para Piguinha, e eu nem sabia que eu já tinha sido a Piguinha de alguém. (risos); um outro de uma amiga que me apresentava a sua nova casa (Manaus), onde assinalava- no postal- o itinerário que fazia diariamente; e um lindo da minha mãe - na sua primeira visita a Floripa- em que dizia que melhor do que a Ilha só eu, a minha irmã e o sofá da nossa casa. Encontrei outros, que eu também não lembrava, de um colega da UFPB. - Alô, Fabiano! Tem postal seu comigo!
          Após ver e reler os meus postais,  logo, logo  encontrei um lugar adequado para eles. Coloquei-os numa caixinha de madeira, organizados de A a Z. Decidi que não vou mais me desfazer deles. De fato, lembrar é viver duas vezes (no mínimo!). E eu não quero esquecer tanta coisa bacana que vi ou vivi, porque coleção é algo para ser visto, ou melhor, vivido sempre que puder e quiser. É para isso que servem as coleções. Eu até me arrependi de ter destruído o álbum de fotos que fiz do exímio nadador Ricardo Prado e os recortes - que guardei por tanto tempo- do Menudo. Este último, depois que entrei na minha primeira faculdade me dava repulsa só de lembrar que um dia fui fã do grupo portorriquenho. Bobagem pensar assim. Hoje, vejo que não deveria ter me desfeito de nada.
           Vida longa aos colecionadores!